Barra Velha, no litoral Catarinense, ainda é uma cidade pequena, com cerca de 50 mil habitantes. Além de pequena, pouco desenvolvida, porque se arrastada na contramão de cidades em pleno crescimento como é o caso de Piçarras e Penha.
E diante desses fatos, também se arrasta no quesito políticas públicas voltadas ao combate e enfrentamento à violência contra a mulher, seja ela: física, moral, sexual, patrimonial e psicológica.
Na pequena cidade, denominada por muitos como regime ‘coronelista’, não existe nenhum órgão ou setor destinado especificamente a esse conjunto de medidas. Sequer uma Delegacia da Mulher, uma Secretaria da Mulher ou muito menos uma Comissão Permanente de Defesa da Mulher na Câmara de Vereadores local, composta hoje por 9 vereadores, todos homens.
Mas essa realidade está prestes a mudar. Janete Ansiliero, natural de Videira e moradora de Barra Velha há 22 anos, sentiu na pele o que é ser vítima de violência contra a Mulher, e decidiu sozinha enfrentar toda uma sociedade, por vezes muito machista.
Ela desenvolveu um projeto para a criação de uma Comissão Permanente de Apoio às Mulheres, e decidiu pedir apoio ao vereador Marcel Berlin, que apresentou o documento na Câmara e recebeu o apoio unânime de todos os colegas.
Segundo Janete, em Barra Velha existem muitos casos de violência, porém, velados, que não saem oficialmente do âmbito familiar, uma vez que as vítimas se sentem acuadas e em sua grande maioria se calam por medo das ameaças, inclusive de morte, feitas pelos seus companheiros.
“A violência, a agressão, não é só a física e a principal e mais danosa delas, é a psicológica, quando o homem consegue emocionalmente controlar a esposa, a namorada, a companheira. Em uma maioria esmagadora, essas vítimas são donas-de-casa e dependem economicamente de seus parceiros, o que as torna ainda mais vulneráveis. Sem trabalho, sem um meio de sustento, elas sempre vão ouvir que são incapazes de se manterem sozinhas, de sustentarem os filhos. Os companheiros dizem que sem eles, elas não vão conseguir sobreviver, que vão passar fome, as tornando dependente deles”.
Para Janete, essa é sem dúvida a pior e mais cruel dos tipos de violência: “Frágeis emocionalmente, ela não têm forças nem coragem para seguir em frente, e dia a dia vão continuar aceitando os abusos, as palavras machistas, narcisistas, que as impedem de ver o quão forte elas são, o quão possível é viver sozinha e sim, de encontrar um homem diferente, um homem amável, gentil, carinho e participativo em todos os sentidos dentro de um relacionamento”.
Janete explica que também é muito comum essas mulheres se calarem por justamente não existirem órgãos de apoio dentro da própria cidade onde vivem. “Quando uma mulher procura uma delegacia ou a polícia, é porque ela já não aguenta mais. Ela já chegou ao seu limite de sofrimento. Agora imagina procurar uma delegacia onde não há pessoas treinadas especificamente para aquilo? Imagina você ir na delegacia de Barra Velha e ter que ser transferida para outra unidade para o seu caso ser resolvido? Bate um desespero e ela acaba desistindo”.
Janete ressalta que a denúncia e o buscar ajuda vai além: “Tem que ter o acolhimento ideal, tem que ter o apoio, o amparo, o tratamento e em último caso, quando requer medidas judiciais, a proteção devida. E esse tratamento tem que ser estendidos para os filhos e também para o homem agressor. As vezes ele não se enxerga como um marido cruel. Tem casos inclusive que são culturais, que eles foram criados vendo os pais tratarem mal as suas mães, e se tornam espelhos daquilo. Tem homens que falam: ‘eu mantenho a dispensa cheia, eu pago a luz, a água, arco com as outras despesas e não te bato, não sou um agressor. Mas por outro lado, ele xinga diariamente àquela mulher, ele a humilha, ele não a apoia em nenhum projeto, ele a quer sempre à disposição dele e dos filhos. Tem delas, que se privam até de se arrumar, esquecem até a vaidade. Isso também é um tipo de agressão”.
Ainda de acordo com Janete, existem homens que têm as mulheres como uma extensão das próprias mães. “Essas esposas lavam, passam, limpam, fazem comida, cuidam dos filhos, obrigatoriamente tem que estarem com tudo impecável sempre, com o almoço servido na hora, precisam estar disponíveis sexualmente quando e a hora que o marido quiser, não podem adoecer, não podem trabalhar fora, não podem reclamar e em hipótese alguma tem voz ativa para qualquer decisão familiar. E em muitos casos os maridos saem se divertir e elas ficam em casa para manter tudo perfeito para quando eles voltarem. Que vida é essa? Quase uma escravidão. É isso que queremos impedir, é isso que queremos mostrar para a sociedade. Somos sim a favor da família, do casamento, desde que ele seja bom para ambos, seja prazeroso e proveitoso para o casal”.
APOIO – No dia que o vereador Marcel Berlin – MDB – apresentou o projeto na Câmara, ele iniciou falando que ali no plenário tinham 9 parlamentarem homens, mas que todos precisaram de uma mulher para vir ao mundo. “Todos nós viemos do útero de uma mulher, todos dependemos das nossas mães para estarmos aqui. Elas nos pariram, nos amamentaram, nos cuidaram, nos alimentaram e nos protegeram. Não é justo que o homem só por se sentir mais forte fisicamente, use isso para agredir uma mulher. A mulher não tem que estar atrás de nós e sim do lado. E aqui na Câmara, com o apoio de todos os colegas, acatamos esse pedido e vamos dar seguimento a criação dessa comissão, que é nada mais que justo”, afirmou o parlamentar.
Depois de passar pela Câmara, o projeto segue para sanção municipal, que também está estudando a possibilidade da criação de uma Secretaria de Defesa da Mulher. Os detalhes dessa criação, o recurso, os serviços que devem ser oferecidos, ainda não foram detalhados pelo executivo.