Por Daniela Meller | Exclusivo para danimeller.com
Após a chocante ameaça deixada na parede da Casa de Ogum e Iansã, terreiro de Umbanda localizado em Barra Velha (SC), a comunidade de matriz africana da região se mobilizou em solidariedade ao dirigente espiritual Adailton da Rocha, o Pai Rocha. A mensagem anônima, assinada por um suposto grupo de ideologia extremista, fazia apologia ao nazismo e exigia que os praticantes da Umbanda se retirassem do bairro, chamando-o de “território cristão”.
O conteúdo da carta — com erros de português e incitação à violência — gerou indignação nacional e está sendo investigado pela Polícia Civil como ameaça, intolerância religiosa e apologia ao nazismo, crimes previstos no Código Penal e na Lei 7.716/1989.
Desde então, líderes religiosos de várias casas de axé no estado se pronunciaram com indignação, reafirmando o compromisso com a liberdade de culto e pedindo justiça diante da gravidade do ocorrido.
“Não é só intolerância, é ameaça. É crime!”
Em entrevista exclusiva ao portal danimeller.com, Pai Rocha expressou seu sentimento diante da primeira ameaça sofrida em mais de 40 anos de atuação espiritual. A casa, aberta há sete anos no bairro Quinta dos Açorianos, nunca havia enfrentado qualquer tipo de violência ou conflito religioso. Pelo contrário, mantém boa convivência com vizinhos de diferentes crenças.
“A Umbanda é amor, é caridade. Nunca tivemos problema com ninguém. Essa ameaça é uma tristeza muito grande, mas a gente vai continuar. Vai ter festa no sábado, sim. Vai ter feijoada, música e oração. Nossa resposta será com paz”, afirmou.
Pai Rocha ainda reforçou que a Casa de Ogum e Iansã realiza atendimentos espirituais, trabalhos de desenvolvimento mediúnico e ações sociais com distribuição de alimentos, roupas e brinquedos para famílias carentes da região.
Apoio e união da comunidade de axé
Pai Alan César Bento Marchinhaki, dirigente espiritual da Tenda de Pai Benedito, extensão da Casa de Ogum e Iansã em Canoinhas, se posicionou firmemente contra o crime:
“Nós repudiamos veementemente esse tipo de situação. O Estado precisa agir. Existe uma segurança jurídica, e essa lei precisa valer para todos. Somos resistência há gerações. Não vamos aceitar esse tipo de ameaça como algo comum.”
Para ele, a proximidade da data de 13 de maio, que marca a abolição da escravidão, torna o ataque ainda mais simbólico e preocupante.
Relembrando o fogo que destruiu uma casa de fé
Outro relato que ganhou força nos últimos dias foi o de Pai Jonas Matteussi, da Tenda Espírita Nosso Senhor do Bonfim e Santa Sara de Kali, também em Barra Velha. Em 16 de agosto de 2021, o terreiro de Pai Jonas foi completamente destruído por um incêndio criminoso, motivado por intolerância religiosa.
“Disseram que não botaram fogo, mas botaram. Tentaram abafar. Perdemos tudo. Agora estamos em paz, mas não dá para esquecer. Isso que aconteceu com o Pai Rocha não pode passar impune”, afirmou.

“Só queremos respeito”, diz Mãe Tássia
Dirigente do Ilê Asé Shango Agandju e Caboclo Tupinambá, Mãe Tássia também prestou solidariedade e denunciou o preconceito constante vivido por praticantes das religiões afro-brasileiras.
“Foi um absurdo. A Constituição garante liberdade religiosa, mas ainda sofremos muito. Só queremos o mesmo respeito dado às outras religiões, nada mais. Umbanda é paz, amor e caridade.”
O medo e o silêncio forçado
Em depoimento sob anonimato, uma mãe de santo identificada apenas como D.B. relatou que se sente insegura até para vestir as roupas da religião em público:
“Aqui não temos liberdade nem para sair com uma saia branca na rua. Vim de Curitiba, onde tínhamos mais respeito. Aqui em Barra Velha, existe perseguição, ódio disfarçado. Meus rituais são todos dentro de casa. O que aconteceu com o Pai Rocha é grave demais. Não é só intolerância, é ameaça de morte.”
Ela também mencionou uma onda crescente de comentários hostis nas redes sociais contra rituais de matriz africana, agravando o cenário local.

O que diz a lei
A intolerância religiosa é crime no Brasil. Entre os dispositivos legais aplicáveis estão:
- Artigo 208 do Código Penal: punível com detenção de até 1 ano ou multa, o ato de impedir ou perturbar cerimônias religiosas, bem como vilipendiar publicamente seus símbolos.
- Lei nº 7.716/1989 (Lei de Racismo): prevê pena de 1 a 5 anos de reclusão para quem impedir ou dificultar o exercício de religião por discriminação.
- Apologia ao nazismo, também tipificada nesta lei, tem pena de 2 a 5 anos de reclusão.
Caminho é união e visibilidade
As falas dos líderes espirituais reforçam o pedido por visibilidade, respeito às leis e ações concretas do poder público. Em suas palavras, a falta de igualdade no tratamento dado a manifestações religiosas é um reflexo de um sistema que ainda não garante a liberdade de fé para todos.
“Pagamos impostos, fazemos caridade, ajudamos nossa comunidade. Só queremos os mesmos direitos. Não queremos ser amados, só respeitados”, resume Pai Jonas.

A resistência continua
Apesar da dor e da indignação, o terreiro da Casa de Ogum e Iansã realizará no próximo sábado (10) sua tradicional festa em homenagem a Ogum e Preto Velho. A cerimônia é aberta a todas as pessoas, independentemente de religião.
“Vamos seguir firmes. Vamos continuar fazendo caridade, fazendo o bem. E vamos continuar cobrando justiça. O axé é maior”, finalizou Pai Rocha.
📍 Reportagem exclusiva do portal danimeller.com
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